quinta-feira, 31 de julho de 2008

Juliana olhava através do vidro embaçado uma paisagem outonal esmaecida ...a neblina, porém, não a impedia de vislumbrar a velha e frondosa nogueira que generosa sempre lhe acolhera em sua sombra ...o vento lá fora assoprava forte e ..em seus acordes de trombone velho conseguia lhe arrancar tantos devaneios, tantas lágrimas..de dor, de amor e...por que não de alegria? Sinfonia de sentimentos no tic-tac de seu coração de menina batendo no meu peito de uma mulher outonal!
O mundo hoje já não mais o mesmo..tudo mudado...as crianças se instalam diante do computador, ou ficam isoladas em seus mundinhos ouvindo músicas só para elas..ao pé do ouvido... olham e não enxergam...olhar vago, tudo vago...meu Deus!!! onde se escondeu aquela infância de outrora onde patos viravam cisnes e sapos viravam príncipes? onde estão os joelhos macerados, que se ralavam de quedas estrondosas da velha nogueira lá fora...creio , minha gente, que ela também chora de saudade...do velho balanço que o avô fizera de táboas polidas e cordas fortes...tão fortes quanto essas lembranças e comparações que invadem o intimo de Juliana...
A árvore era a única corda que a amarrava aos sabores de um passado tão lindo, mesmo que com muitos dissabores...no tronco estava gravado: Juliana e Pedro dentro de um coração já esmaecido pelo tempo...o ano? 1932 ano da Revolução Constitucionalista..e Pedro, seu noivo, fora combater por São Paulo, sua terra amada..só que..não voltara..ou melhor voltou sim..como herói..mas sem vida, nunca mais seus beijos..nunca mais carinhos debaixo da matrona nogueira...
E...agora, meus caros, um decreto da Prefeitura de Palmital desapropriou todo o quarteirão com suas casas para a cosntrução de um grande viaduto..coisas da modernidade...e Juliana encosta seu rosto no vidro provocando mais pregas em sua face melancólica...duas lágrimas descem teimosas molhando o seu crochê caprichado, presente para a sobrinha que vai se casar...ela mesma, nunca se casara...continuava a noiva adorada do Pedro, valoroso combatente que gravara amor eterno no tronco da árvore , que daqui a alguns dias irão derrubar...junto com o tronco, os galhos, as folhas e a enorme raiz...estarão dilacerados os sonhos e as lembranças de uma mulher sonhadora...
A Natureza chora...suas lágrimas misturam-se com as lágrimas mornas de Juliana , que aguarda angustiada a vinda dos homens da Prefeitura com suas máquinas assassinas...e...quando eles chegam e fincam a primeira machadada no tronco vivo da nogueira...Juliana sente uma pontada lancinante em seu coração..seiva e sangue..sangue e seiva se misturam...galhos e braços, folhas e cabelos, tronco e tórax, raiz e coração....

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