quinta-feira, 29 de maio de 2008

Uma Crônica tirada do fundo da gaveta...

Céu cinzento...nuvens fofas e escuras anunciam que lá vem chuva.Ruge um trovão nervosamente despertando Pedro Parente, que praticamente cai da cama e rola até ao banheiro .Olha o relógio e depara com 7:00h ...hora de se apressar para o emprego de escriturário, numa repartição pública que fica a três quadras de sua casa.Pedro Parente olha seu rosto cansado no espelho, que implacável acusa seus cinquenta e tantos anos...Rugas riscam-lhe a face num zigue-zague feroz...cabelos brancos teimam em prevalecer entre os poucos fios negros que ainda persistem em sua cabeça...Ele tenta um sorriso e se espanta com os dentes gastos e amarelados do tempo e da nicotina.
Apressa-se em sua higiene diária pensando na rapidez do tempo, na rotina da vida, na infância e mocidade perdidas numa época tão distante ! Lembra-se da avó, Dona Matilde Parente, figura forte e amorosa que lhe cuidara até a adolescência.Olha de novo no espelho e sorri, agora, então, com os olhos repletos de lágrimas, túrgidas de saudades....repara , daí um brilho maior nesses olhos ...Incrível, parece até que as rugas se amenizaram!!! Consegue abrir um sorriso largo ...ao lembrar-se da doce velhinha...Matilde Parente!
Findo o seu ritual de higiene, troca de roupa e quando pega sua carteira, respira amuado, vendo-a tão magrinha à espera do final do mês...
Na rua, vai contando nos dedos os dias que o separam do salário...quando tropeça em algo...abaixa-se e depara com uma carteira molhada de chuva, mas recheada de dinheiro!!! Enxuga-a na roupa mesmo...rapidamente...e quando vai colocá-la no bolso, assusta-se com a chegada de uma velhinha esbaforida que quase o derruba no meio-fio...ela aponta a carteira reclamando que a mesma era sua..que ele devolvesse...Pedro Parente não sabe se deve acreditar...afinal...pensa nas contas a pagar, no conserto da TV que pifara e entao segura com mais força a polpuda salvação de couro em suas mãos...
De repente...um raio risca o céu e ilumina o rosto da velhinha impertinente..Pedro Parente enxerga além...vislumbra nada mais ,nada menos que o rosto da vovó Matilde Parente...e então... não titubeia...abraça o corpo magrinho da anciã, enxuga-lhe as mãos com seu lenço...e nelas deposita a cobiçada carteira...aquela polpuda e que, por uns instantes, lhe devolveu cenas indescritíveis de uma infância feliz!!!

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